Y.Valentim
Nova York - Makota Valdina, líder do Candomblé na Bahia, foi um dos principais nomes do Simpósio “Thread of African Spirituality In The Americas Candomble – Tradition Of Brazil”. Nosso correspondente, Edson Cadette, estava lá. Leia Mais
No Simpósio, que em tradução livre para o Português quer dizer "A linha da Espiritualidade Africana no Candomblé das Américas – Tradição do Brasil”, realizado na semana passada pelo Centro Cultural Caribenho, no Harlem, a líder religiosa (foto) falou da experiência da religião na Bahia e no Brasil e da perseguição movida por setores evangélicos neopentecostais.
Na entrevista, Makota Valdina (Valdina de Oliveira Pinto) disse que a sociedade brasileira é racista e fez um relato da resistência das religiões de matriz africana à intolerância religiosa. "No dia em que a sociedade brasileira se entender como diversa, como plural, e que, nós negros, somos portadores de um legado deixado pelos seres humanos que foram escravizados, mas que deixaram cultura, deixaram história, eu acho que, aí, também, o Candomblé será respeitado da mesma maneira que as demais religiões", afirmou.
Veja, na íntegra, a entrevista concedida por Makota Valdina ao correspondente de Afropress em Nova York.
Afropress - A senhora poderia dizer aos leitores da Afropress qual é o seu nome e sua procedência no Brasil?
Makota Valdina - Meu nome é Valdina Oliveira Pinto. Entretanto, no Brasil, na Bahia mais especificamente, me conhecem como Makota Valdina. Makota é o titulo religioso que eu tenho porque sou do Candomblé, da Nação Angola, e na comunidade baiana me conhecem mais por este título, por causa de palestras e encontros que faço na Bahia e também no exterior.
Afropress - Há quanto tempo a senhora pratica a religião do Candomblé?
Makota Valdina - Na realidade, o Candomblé faz parte da minha vida desde de criança. Minha mãe era do Candomblé. Entretanto, fui iniciada adulta, a partir de 1975.
Afropress - Existe na Bahia um preconceito contra as religiões de matriz africana?
Makota Valdina - Não somente na Bahia, mas em todo o Brasil. Porque o Brasil é racista. O Brasil tem uma sociedade racista, preconceituosa e que discrimina tudo quanto vem da cultura negra. Atualmente, nós afro descendentes, temos conquistado alguns espaços, não só culturalmente, na nossa história, mas também na nossa forma de espiritualidade trazida com os africanos escravizados.
E hoje em dia, no Brasil, nós temos lutado muito porque a partir da década de 1970 houve essa “invasão” dos protestantes neopentecostais, e temos que lutar contra a intolerância deles. Há um movimento muito grande das comunidades de terreiros das religiões de matriz africana de um modo geral, não somente do Candomblé, mas também da Umbanda, Batuque, Quixamba etc., no sentido de afirmação, lutando contra o racismo e preconceito contra a nossa religiosidade, nossa forma de crença.
Porque o Candomblé, para nós, vai além de uma forma de espiritualidade, é uma forma de resistência também. E a gente luta hoje contra esta intolerância, não somente na Bahia, mas em todo o Brasil.
Afropress - O Estado na Bahia protege a religião do Candomblé, ou os seus adeptos tem que se autodefenderem deste racismo, deste preconceito? O Estado baiano defende esta forma de religião ou não?
Makota Valdina - Veja, na realidade nós sempre lutamos, o movimento negro, as comunidades religiosas. Agora, esta mais evidenciado, porém , nós temos tido mais apoio dos órgãos públicos, especialmente, a partir da administração do Governo Lula. Isto foi uma grande conquista. Realmente a partir do Governo Lula que deu voz , deu espaço para todas as expressões de religiosidade negras, indígenas etc. Entretanto, a sociedade é muito racista, a sociedade ainda rejeita estas religiões.
A sociedade ainda conserva o ranço, a gente tem que lutar por isto. Não basta ter uma lei, não basta ter vontade do Governo, mas é preciso que as pessoas na sociedade brasileira se abram.
O que eu noto é que, à medida em que a gente vai ocupando esses espaços, à medida em que a gente está tendo liberdade para ser aquilo que a gente é, para falar etc. a sociedade brasileira também mostra sua cara racista. E mostra também suas expressões de preconceito.
Afropress - Qual é a porcentagem, a senhora diria, de adeptos da religião do Candomblé na população, em geral, e na Bahia?
Makota Valdina - É difícil de dizer. Eu realmente não sei te dizer em números ou porcentagem porque muitas vezes, muita gente é adepta do Candomblé, mas não assume a religião em público. Agora é que está tendo esta abertura, e as pessoas estão dizendo abertamente.
Até bem pouco tempo as pessoas praticavam o Candomblé, mas diziam que eram católicas. Elas não tinham a prática do catolicismo. Elas tinham a prática diária do Candomblé. Entretanto, ela foi batizada católica um dia porque tinha de ser. As pessoas estão fazendo questão agora de afirmar sua prática. Porém, não podemos perder de vista das muitas pessoas influenciadas pela corrente protestante do neopentecostalismo e a corrente evangélica.
Afropress - A senhora diria então que um dos problemas que o Candomblé enfrenta como religião é o de aceitação por parte dos neopentecostais?
Makota Valdina - Principalmente. Atualmente, o maior problema que nós, adeptos do Candomblé enfrentamos, é o desta corrente neopentecostalista, e de muitos afro-descendentes adeptos também desta e outras variantes da religião protestante.
Não é que você deva ser adepto do Candomblé, ou de qualquer outra religião de matriz africana por ser afro-descendente. Mas você, enquanto afro-descendente, tem que afirmar sua identidade. Você tem que ter orgulho de sua raça. Você tem que ter orgulho de suas histórias. Tem que ter orgulho de sua ancestralidade. Seja você católico, budista, islamita, cristão etc. Mas você não pode negar sua identidade.
É um grande perigo que eu tenho visto ultimamente. E o que eu acho real, é esta alienação dos negros que fazem parte destas igrejas neopentecostais, evangélicas etc, sobretudo a Igreja Universal Do Reino de Deus. Eles negam sua cultura. Há, no Brasil, a lei para o aprendizado sobre a cultura africana e afro-brasileira nas escolas públicas. E muitas vezes alguns pais, e alguns adeptos destas religiões se recusam a estudar a cultura afro-brasileira e a cultura africana. E colocam tudo isto como sendo de Satanás, ou do Demônio. Isto realmente é muito mal.
Afropress - O ano passado houve um incidente na Bahia envolvendo uma mulher adepta da religião do Candomblé. Ela foi presa pela polícia do Estado e, ao que se sabe, até mesmo jogada num formigueiro pelos soldados para que o demônio saísse de seu corpo. Depois ela recontou sua história. Ela disse que não foi bem isso o que aconteceu. A senhora poderia explicar aos leitores da Afropress o que realmente aconteceu?
Makota Valdina - Eu não sei. Não posso explicar uma coisa que não presenciei. Não vivenciei, e nem mesmo falei com a pessoa. Mas, estas expressões de ataques desta maneira são fatos corriqueiros que pessoas tem sofrido, não é? Às vezes até evangélicos que trabalham em órgãos públicos, e o que a gente observa é que nesses ataques, as pessoas se valem de sua posição. E elas agem em nome de suas religiões. Agora, o caso desta mulher, desta Mãe de Santo, ocorrido no sul da Bahia, em Ilhéus, eu não conheço. Não a conheço pessoalmente, nem tampouco tive contato com ela. O que eu sei é de leitura de jornais. Então, não posso fazer uma afirmação de algo que não acompanhei de perto.
Afropress - Por que a senhora está aqui em Nova York?
Makota Valdina - Na verdade, vim para Denver, no Colorado. Fui convidada pela Universidade de Denver, através do Departamento de Estudos Étnicos para falar sobre o Candomblé e a espiritualidade afro-brasileira. Isto ligado às questões étnicas e às questões das lutas por justiça racial. E eu já havia estado aqui antes em Nova York. E algumas pessoas que estiveram em Salvador, e presenciaram uma das minhas palestras, e sabendo que eu estava aqui nos EUA, fizeram o convite para eu vir até o Centro Cultural Caribenho para compartilhar um pouco com as pessoas o que é o Candomblé.
A importância do Candomblé, não somente enquanto religião, mas também para os movimentos sociais negros, para a justiça social, ambiental, e para falar também sobre a interligação com outras expressões de religiosidade da Diáspora.
Afropress - A senhora acredita que com mais esta visita, irá trazer um conhecimento melhor sobre o Candomblé aos afro-americanos, porque eles não tem ainda um grande conhecimento sobre esta religião afro-brasileira?
Makota Valdina - Algumas pessoas tem, sim, o conhecimento sobre o Candomblé. Algumas que praticam a religião via Cuba, como a Santeria, Lucumi, e Palomaiomibi. Eles têm um pouco de noção. E alguns até, à titulo de estudo, estudam um pouco disto também. Eu só vou contribuir, talvez, para algumas pessoas aqui que praticam a Santeria do tipo Lucumi, e Palomaiomibi, que nós afro-descendentes no Brasil também temos esta forma de religiosidade. Na verdade, uma das formas. Eu vou falar de uma das formas que é minha prática, o Candomblé.
Afropress - O que falta para o Candomblé ser uma religião respeitada no Brasil como um todo?
Makota Valdina - O que falta no Brasil, é que a sociedade brasileira cada vez mais seja menos racista. E para mim está ligado a isto. No dia em que nós erradicarmos o racismo da sociedade brasileira, e que os brasileiros se vejam, aqueles brasileiros que muitas vezes se acham brancos, os não negros que se acham brancos, que eles vejam que não são brancos. Que são mestiços. Eles tem também muito da contribuição dos negros em suas vidas e sua cultura.
Então, no dia em que a sociedade brasileira se entender como diversa, como plural, e que, nós negros, somos portadores de um legado deixado pelos seres humanos que foram escravizados, que foram para o Brasil nas condições de escravos, mas que deixaram cultura, deixaram história. No dia em que a sociedade brasileira tiver este conhecimento e se abrir, eu acho que, aí, também, o Candomblé será respeitado da mesma maneira que as demais religiões.
Afropress - Por favor faça as observações que a senhora gostaria para os leitores daAfropress.
Makota Valdina - Olha, estou muito feliz de encontrar um brasileiro aqui, de encontrar alguém da Afropress. Eu conheço esta mídia, via internet, pelos e-mails que recebo. Então, eu acho muito importante a gente ter essa voz aqui, esse porta-voz daqui também. Para mim foi um surpresa, mas fiquei muito feliz de poder compartilhar com os brasileiros coisas que eu estou fazendo aqui. E não em meu nome. Eu não sou Valdina. É uma brasileira, uma baiana, uma afro-brasileira que está aqui compartilhando, que está aqui trazendo um pouco de Brasil.
Afropress - Muito obrigado.
Makota Valdina - Obrigada a você.
Fonte: Afropress